quarta-feira, 8 de março de 2017

Quando a violência doméstica é com você



Cerca de 80% do conteúdo do blog é sobre histórias que observo, finais que reescrevo ou um olhar romanceado sobre os desamores que me cercam. Mas hoje o conteúdo será sobre mim, sobre minha vida familiar, sobre aquilo que me sempre me doeu demais. [Importante: existem gatilhos sobre violência e abuso neste texto. Se você sofre de depressão, síndrome do pânico ou algum tipo de transtorno, não leia.]


Em 1974 uma adolescente vinda do interior de Minas Gerais, foi forçada a se casar aos dezesseis anos. Sua mãe achava que já estava na hora dela ter um marido, e a casou com um paraibano oito anos mais velho que ela. Sem namoro, sem paixão, eles estavam se casando com a obrigação de ser um do outro até a que a morte os separasse. Esse casal eram meus pais. Não havia amor. Não havia consideração. Não havia respeito.

Por diversas vezes meu pai espancou minha mãe. Tentou matá-la. Traiu. Humilhou. Subjugou. Fez com que ela perdesse um casal de gêmeos. Por ciúmes, ele a obrigou a extrair os dentes, para que ela jamais sorrisse para outro homem. Ela tentou fugir. Tentou sair daquele inferno, mas não encontrou apoio em sua família. Sua mãe não a socorreu. Não deu abrigo, apoio. Infelizmente, minha avó era tão machista quanto meu pai e achava que aquela certidão de casamento conferia posse.

Minha mãe sustentou seu casamento por 27 anos. Viu minha irmã sair de casa antes de completar a maioridade, apenas para deixar de sofrer com as mãos pesadas do meu pai. Sim, ele espancava minha irmã também. Não importava o motivo, se ela estivesse usando batom vermelho (para ele era coisa de puta), ou se o fogão não estivesse limpo como ele gostava, minha irmã também era alvo das ofensas e agressões. Minha mãe esteve ao lado do meu pai por tanto tempo, que viu seus sonhos sendo consumidos pela areia do tempo. Foram muitos anos de traições, violência, abusos físicos e emocionais. Eu vi minha mãe perder o brilho nos olhos ao longo dos anos.

Durante o processo de divorcio, (que aconteceu em 2001), vimos outra face do meu pai. Ele denegriu a minha imagem e a de minha mãe na comunidade que vivíamos. Fomos taxadas como piranhas, vagabundas, imprestáveis. Por eu ter ficado ao lado da minha mãe durante a separação, ele se achou no direito de me difamar. Vivemos tempos difíceis, de muita vergonha, de muita humilhação e piadinhas. Eu tinha apenas 16 anos, a idade em que minha mãe foi obrigada a se casar, quando descobri que a sociedade é tão machista e cruel quanto aquele homem que estava com o orgulho tão ferido, que se achou no direito de nos humilhar publicamente.

Infelizmente minha mãe jamais conseguiu enxergar seu valor, perceber a mulher incrível que ela sempre foi. Você pode não conhecê-la, mas saiba, ela é bonita. Corpo mignon, sempre bem arrumada, de riso fácil e muito discreta. Infelizmente ela não permite que nenhum homem se aproxime dela. Não teve coragem de namorar e nem mesmo aceita que esse assunto seja debatido. Traumas, medos, dores que eu vejo em seus olhos, mesmo quando ela sorri. Meu pai continua o mesmo. Tenta reatar o casamento a todo custo, sob o pretexto de que agora "velho", pode cuidar da minha mãe (!!!!) e também receber o cuidado dela. Ele já demonstrou inúmeras vezes que permanece o mesmo. Ainda fala como se tivesse direitos sobre ela.

Nesta história existem detalhes muito particulares, os quais eu não tenho permissão para falar, mas se hoje existe alguma certeza em mim, é que a Lei do Retorno jamais falha, e tudo quanto ele plantou, ele está colhendo hoje.

O dia internacional das mulheres sempre me faz refletir sobre minha mãe. Sobre como a violência familiar e o machismo podem destruir seus sonhos, ferir sua alma e adoecer o seu corpo. Minha reflexão sobre este dia é que precisamos lutar para que outros Zés não apaguem mais o brilho nos olhos de nenhuma mulher. Meu pai deixou marcas profundas em minha família. Ele minou sonhos, destruiu fantasias, alegrias e mostrou o lado cruel de um homem. Lamento por ela ter ficado tão cética, dura e amargurada por conta do que passou, mas como julgá-la?

Ah, se você quiser comentar sobre este texto, me faz um favor? Deixe um carinho em forma de palavras para Dona Rita. Ainda tenho fé de que um dia histórias assim serão contadas como algo distante, e não como parte algo que nos cerca diariamente.




9 comentários:

  1. Lei do Retorno, Ação e Reação, ninguém escapa das leis divinas!
    Podem escapar da tão falha lei dos homens, mas da lei divina ninguém passa despercebido e no momento em que o Capa Preta bater o martelo, não adiantará chorar, espernear, dizer que foi sem querer ou que não sabia... O Livre Arbítrio é nosso e suas consequências também!
    Sua mãe é uma vitoriosa, uma sobrevivente, e você Ana (tenho certeza) é o orgulho dela, por caminharem juntas tanto nos momentos de alegria quanto nas horas de dificuldade e ainda assim se tornarem pessoas de bem, melhores e mesmo que com algumas ressalvas, terem superado as dificuldades e seguindo em frente.
    Beijos no coração e que esse dia em especial, seja fantástico para vocês!!!!!
    Luz

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  2. espetacular, assim como vc! que a Dona Rita possa encorajar as outras Ritas e Marias chafurdadas na lama de uma alma abarrotada, cansada a viver ainda que pouco mais intensamente.

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  3. Dona Rita... Exemplo da força q existe em tantas famílias destruidas por essa sociedade machista. Essa força fez com que ela descobrisse q há vida após o divórcio. Ela criou, educou e me presenteou com uma das melhores pessoas q eu conheci na vida; Ana Lucia! Por um mundo com mais Ritas.

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  4. Nossa li e me identifiquei ! parecia que você estava descrevendo meu pai ,que triste !
    Hoje meu pai que por concidência é irmão do seu pai , tambem colhe os seus frutos . Minha Tia Rita eu a admiro , mesmo não tem muita proximidade, que Deus renove seus sonhos , suas esperanças Parabéns pelo seu dia !
    Parabéns por essas filhas lindas ( Lu e ana)Feliz dia das mulheres meninas e Deus abençoe vcs!

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  5. Hoje com as leis atuais, se ainda é demasiadamente difícil para muitas mulheres em situação parecida com a que dona Rita conviveu, fico imaginando o quanto foi difícil naquela época, onde não havia nenhum apoio... Isso faz de Dona Rita uma verdadeira heroína! Só de ter uma pálida idéia do que ela passou, já é motivo suficiente para termos orgulho dela.

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  6. Parabéns Ana pelo texto que apesar de ser triste por ser real nos faz refletir,sei exatamente o que sua mãe viveu pois também sofri na pele esse tipo de agressões. Coincidência ? Os dois homens em questão são irmãos e por incrível que pareça me reportei ao passado e nas suas palavras vi que as atitudes eram quase as mesmas.Rita apesar de termos convivido pouco eu te admiro e te digo você merece ser feliz .parabéns por ter tido coragem de se libertar,Parabéns pelas filhas maravilhosas :Ana e Lucilene e parabéns pelo dia Internacional das mulheres pras três. Rita você é vitoriosa ❤

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  7. Parecia realmente que estava falando da minha família, da minha mãe e como foi dito o seu pai é irmao do meu pai as atitudes sao identicas e sei que esses traumas causam em nos por ver o sofrimento da nossa mãe ..
    Quero que realmente minha tia Rita que convivi tao pouco mais admiro muito seja muito feliz ao lado desses filhos maravilhosos e que tudo isso se torne cada dia um passado e uma experiência que por mais que seja triste seja proveitosa para viver o melhor da vida sabendo que a lei da vida está é apenas o começo pois ainda tem a lei de Deus essa ainda está por vir ..

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  8. Sinto muito! ... só isso consigo escrever...
    Beijos em ti e em Dona Rita.

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  9. "Você pode não conhecê-la, mas saiba, ela é bonita. Corpo mignon, sempre bem arrumada, de riso fácil e muito discreta". A dona Rita....

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