Estou lendo O livreiro de Cabul
e assim como outros títulos que falam sobre a vida afegã, fico fascinada e
igualmente chocada com as diferenças culturais, de sobremaneira o uso da burca.
No Afeganistão, a burca começou a ser
usada pelas mulheres de um rei. Diz a história que elas eram tão formosas e bem
tratadas, que o rei temia que acabassem enfeitiçando outros homens. Por ciúmes,
ele passou a comprar os mais belos e caros tecidos para preservar os encantos
de suas esposas. O islamismo trata o véu como uma forma de guardar a beleza dos
cabelos de uma mulher somente para seu marido. Para uma mulher como eu, nascida
e criada segundo os valores ocidentais, entender tais práticas exige muito
esforço. Nós ocidentais, consideramos o uso obrigatório da burca, ou véu, uma
agressão, mas em tais culturas são meios usados para resguardar as mulheres.
No Ocidente a burca é usada de maneira
errada. Sim, nós usamos burca no Ocidente! Enquanto no Oriente escondem os
encantos de uma mulher, aqui escondem quem somos de verdade! Encobrimos
atitudes que seriam reprovadas por uma sociedade que aplaude o que é falso.
Uma mulher bem resolvida, que não tenha medo de expressar opiniões ou falar de
assuntos inicialmente masculinos, assusta grande parte dos homens. Por conta
disso, algumas aceitam esconder quem são em burcas invisíveis, usadas apenas
para evitar o confronto com aqueles estão a sua volta. Esta sociedade hipócrita
subjuga um povo, mas censura relacionamentos em que a mulher é mais velha, ou
mais bem sucedida do que o homem. Rotulou de terrorista todo homem que tenha a
barba com um punho de comprimento, mas exige uma mulher débil, sem expressão ou
ideia divergente da sua. Aceitamos o conceito em que a mulher deve parecer
eternamente indefesa, pura, jovem e bonita, enquanto o homem deve ser um
semideus: forte, másculo e desprovido de sentimentos.
Não estou defendendo o feminismo
radical, em que mulheres colocam os seios de fora em protestos constrangedores.
Eu defendo que nenhuma mulher sinta-se desvalorizada porque não casou
aos 30, não tem filhos ou não vista 36. Defendo que tenhamos liberdade para
mostrar o que somos, em nossa essência: fracas ou fortes, espontâneas ou
introvertidas, impulsivas ou recatadas... Que não tenhamos mais medo de andar
sozinhas nas ruas, de pegar condução a noite, que não tenhamos medo de nos
mostrar fortes.
Sempre iremos nos deparar com
situações/pessoas que nos imponham uma
"burca" para esconder o que na verdade somos, pensamos, desejamos.
Em nome de convenções sociais acabamos por aceitar tal imposição. Sendo
assim, a burca que a mulher afegã usa sob a desculpa de protegê-la é, em
minha opinião, mais digna do que a que o Ocidente me obriga a usar, pois a
burca de tecido esconde o rosto, enquanto a que me obriga a ser alguém
diferente do sou, tenta moldar a todo custo o meu caráter.