Leia ao som de R.E.M. |
Everybody hurts
Muitas histórias de amor já foram escritas, e a minha poderia ser só mais uma.
Muitos finais já foram escritos, o do meu amor por Eva não foi inédito, mas com
certeza, foi o mais real que pude escrever.
O
começo de nossa história não foi com nosso encontro, pelo contrário, foi com os
desencontros que tivemos ao longo da vida. Quando Eva entrou em minha vida eu
já tinha muito mais a contar do que apenas sonhos, tinha bagagem, passado.
Estava saindo de um relacionamento turbulento, cheio de conflitos em que me
acostumei com o lado possessivo e controlador de uma pessoa. Ela não acreditava mais no amor e
eu não me lembrava que ele existia. Era
impressionante ver como alguém como ela dizia não acreditar no amor, logo ela,
que era todo amor, a mais doce, encantadora e apaixonante mulher que eu poderia
encontrar. As dores que ela havia enfrentado, rejeição, abandono, mentiras, e
traições, fizeram com que simplesmente deixasse de acreditar no amor simples,
puro, verdadeiro entre duas pessoas.
Sou
médico e perdi as contas de quantos sábados passei de plantão na clínica. Nem
sempre tinha movimento, afinal de contas, hospital de interior não pode ser
comparado ao Salgado Filho. Para ocupar meu tempo, aproveitava os plantões mais
calmos para responder aos e-mails enviados durante a semana. Max é um excelente
ortopedista, e não perde a oportunidade de fazer piadas com o Flamengo, e havia
mandado um email durante a semana para ridicularizar os flamenguistas pela
derrota contra o Fluminense, para diversos contatos de sua lista. O que me
surpreendeu não foi a implicância do Max comigo, já que sou flamenguista, me
surpreendeu a única resposta feminina ao e-mail ter sido de Eva. Ela “gastou”
os flamenguistas com sua resposta e me senti impelido a enviar um e-mail
respondendo tais afrontas. Assim nos conhecemos. Eu achava que ela fingia
entender de futebol e ela me taxava de flamenguista convencido. Depois de uma
semana nossos e-mails deixaram de ser apenas sobre futebol, começamos a falar
sobre músicas, e livros, sem nunca perguntar algo além do que era escrito na
mensagem. Era como se tivéssemos criado um código tácito de preservação. No
sábado seguinte, já em casa, enviei um e-mail falando sobre o livro que
terminara de ler naquela semana. Menos de cinco minutos depois, recebi a
resposta de Eva e resolvi arriscar ao enviar uma nova mensagem perguntando se
ela gostaria de conversar comigo no MSN. Ela me adicionou e conversamos durante
cinco horas seguidas. Nossa conversa era leve, divertida e eu tinha a impressão
de já conhecê-la a vida inteira. Desliguei o computador naquela madrugada
completamente apaixonado.
As
semanas foram se passando e o fato de estarmos separados por centenas de
quilômetros (eu em
Campos/RJ; ela em Maringá/PR) não diminuía o
que sentia. Conversávamos todos os dias, trocávamos mensagens telefônicas,
e-mails, e juras de amor. Éramos
dois apaixonados, bobos, namorados que nunca se viram. . Falta de seu
sorriso, de seu jeito espontâneo e livre de ser. Sentia falta do que
poderia ser ao lado dela. Certo dia lhe enviei flores e uma mensagem
dizendo que sabia como é difícil entender, eu
sinto falta sem ao menos conhecer seu cheiro, o sabor de seu
beijo, o calor de suas mãos, mas naquele momento, entender
era totalmente irrelevante, eu apenas sentia, e me apaixonava mais a cada
ligação, a cada dia, e sentia falta de estar perto dela. Sabia que o que
tínhamos era diferente, sabia que a amava. Eu não tinha coragem de
perguntar ao Max o que ele achava dela, o que sabia de seu passado. Como
explicar que estava mantendo contato com alguém que nunca vi e, que por
coincidência, recebeu a mesma mensagem que eu? Soube por ela, tempos
depois, que Max era amigo de infância de sua irmã, estudaram na mesma
classe quando ele ainda morava no Paraná e retomaram contato através do Orkut.
Depois de seis meses de muita conversa, contas absurdas de telefone, e uma
urgência terrível que eu sentia da pele daquela mulher, resolvi viajar para sua
cidade. A ansiedade era tão grande que me sentia um menino, um adolescente que
se apaixonou pela primeira vez. Desembarquei no aeroporto de Maringá com o
coração na boca e milhares de dúvidas que me deixavam atordoado: “E se ela não
vier? E se o encontro não for como imaginamos? E se...” Eram tantas dúvidas que
começava a achar menos doloroso se ela não aparecesse para me encontrar.
Quando
cheguei ao saguão, avistei uma mulher distraída olhando para o portão diferente
do que desembarquei, vestindo uma camisa do Fluminense e segurando outra do
Flamengo com certa timidez. Era ela. Quando seus olhos fitaram os meus, já
estava perto o suficiente para perceber que ruborizou. Era Eva. Quis correr e
beijá-la, saciar a minha sede dos lábios da mulher que me encantou, me
enfeitiçou. O abraço veio primeiro. “A
gente se apertou um contra o outro. A gente queria ficar apertado assim porque
nos completávamos desse jeito, o corpo de um sendo a metade perdida do corpo do
outro.” Perdi a noção do tempo
enquanto estava abraçado a ela. Acariciar os cabelos ondulados e macios, sentir
o cheiro da pele recém saída do banho, perceber o arrepio ao passar os dedos
por sua nuca... Eram carinhos inéditos, ensaiados milhares de vezes por nós
dois e a realidade era infinitamente melhor. Eva estava comigo e eu sentia
sua pulsação, provei o gosto de seus lábios, e a ouvi sussurrar meu nome.
Foram
dias inesquecíveis. Vê-la em família, conhecer seus amigos, andar de mãos dadas
pela cidade e ver as estrelas deitados na grama do quintal era tão natural, ao
mesmo tempo tão significativo que temíamos estar sonhando. O momento da
despedida chegou e nunca havia experimentado um gosto tão amargo quando o de
deixar Eva para trás. Queria viver para sempre ao seu lado, mas era preciso
voltar para o Rio.
Era
preciso retomar a vida e encontrar formas de trazer Eva para perto de mim. Os
dias não eram fáceis, as noites ainda piores. Nada mais tinha tanta
importância. Sonhava em construir nossas vidas juntos. Pela primeira vez na
vida, me sentia amado, valorizado, importante para alguém. Eva mudou meus conceitos, me deu
muito mais que a vontade de viver, me mostrou motivos para viver por e com
ela. Eva me ensinou o que é
amar por completo.
Nossa
história poderia terminar ali, naquela frase e você pensaria que desci do avião
e me atirei em seus braços, ou que ela pegou o vôo seguinte e vivemos felizes
até hoje, mas a realidade não é tão bela quanto nos filmes de Hollywood. Se
você está lendo este texto hoje é porque ainda tento, em vão, eu sei, a minha
remição. Quando me vi tão envolvido, tão absorvido por Eva, temi. Fui um
completo covarde. Deixei de atender suas ligações nem respondia suas mensagens.
Tive medo. Muitos homens não admitiriam que sentem medo, mas eu admito: senti
medo daquela ruivinha dominar meus passos. Tive medo de me tornar refém do amor
de uma mulher. Depois de algum tempo ela deixou de ligar, não deixava mais
mensagens, desistiu de mim.
Três
ano se passaram e eu voltei a Maringá. Me enchi de coragem e decidi fazer de
tudo para conquistar o perdão daquela que não consegui esquecer. Fui até a casa
dela, sem flores nas mãos, pois não queria parecer piegas ou exagerado, ou ela
poderia pensar que era pura falsidade. Eu pude avistá-la de longe no quintal,
de vestido branco e cabelos na altura dos ombros. Estava sorrindo tanto que
imaginei que pudesse estar sorrindo para mim. Enquanto caminhava para seu
portão, vi que um homem a abraçou por trás e levou suas mãos em direção ao
ventre dela. Congelei. Não conseguia dar um passo a frente. A cena que se
seguiu ficou muito clara: Eva construiu a vida que sonhei ter com ela, ao lado
de outra pessoa e eu nada poderia fazer. Tive vontade de morrer, me atirar da
primeira ponte que visse pela frente, faltou ar nos pulmões e boca secou
completamente.
Um
dia desses tive coragem de perguntar ao Max sobre ela. Acabei contando tudo o
que vivemos e descobri que ela
sofreu muito por um homem misterioso, e que encontrou tranqüilidade e alegria
ao lado de outra pessoa. Max mal acreditava que o tal homem misterioso era eu.
Eu não acreditava que havia perdido a mulher de minha vida por medo.
Talvez a cartase desse amor não seja a mais bela história de amor já escrita.
Sei que existem “finais alternativos” no cinema, mas a vida real não admite
ensaios. A vida real não permite erros tão tolos quanto o meu. Sofro todas as
noites quando lembro seu sorriso, do calor de seu abraço, a forma como nos completávamos, o
corpo de um sendo a metade perdida do corpo do outro. Sei que minha absolvição não
virá através dos livros publicados, ou das cartas nunca enviadas para Eva, mas
ao passar adiante, ao tornar pública a minha vergonha, tenho a sensação de
aproximá-la de mim outra vez, sinto que poderia reescrever meus passos. Eva faz
parte das minhas melhores lembranças.
Minha
história poderia ser só mais uma história, dessas que você encontra em qualquer
esquina, em
qualquer cidade, mas a saudade e o arrependimento são hoje, a
medida do meu coração.
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