Pular para o conteúdo principal

Sobre perder alguém

Conheci Jacqueline envolvida numa causa nobre: a inclusão de surdos no meio corporativo. Além de interprete, ela nos deu dicas de como tratar estes profissionais em nosso cotidiano. Tivemos a chance de conversar um pouco mais e para minha surpresa, me contou ser viúva. Não pense você, meu querido leitor, que ela é uma velha senhora, repleta de filhos e netos, em fim de carreira e resolveu ser interprete de LIBRAS. A Jacqueline é jovem e ficou viúva dois anos após seu casamento. Sofreu, chorou e recomeçou sua vida. Namorou outra pessoa, ficou noiva e novamente encarou a dor de perder para a morte quem amou. Sentiu pena? Não sinta, ela não transmite autocomiseração quando conta pelo que passou. Admire-a. Ela transformou a dor em uma forma de fazer mais pelos outros. Foi para o Haiti após o terremoto de janeiro do ano passado, trabalhou na região serrana ajudando famílias após as tragédias deste ano e enquanto escrevo, está em algum lugar do Amazonas fazendo a diferença na vida de alguém. África é o seu objetivo e tenho certeza que irá alcançá-lo.
Depois de Jacqueline ter partilhado sua história comigo e mais duas colegas, conversamos sobre quanto perder assusta. Ninguém quer experimentar a dor de enterrar a pessoa que ama, mas também não dá para alimentar esse medo e ficar constantemente sobressaltada. Eu já tive muito mais medo que hoje. Medo de perder mãe, irmãos, marido, amigos... Hoje procuro não pensar mais nisso. Onze anos atrás meu avô faleceu. Dói até hoje, mas com intensidades variadas. De tempos em tempos a saudade aperta um pouco mais e espreme algumas lágrimas, mas a alegria de ter convivido com o Seu Alfredo é bem maior. Comparo o medo da perda a um trem a vapor. Fazer este trem andar significa paralisar sua vida. Imagine como seria sufocante para os meus amados se, por conta do medo de enfrentar a dor que senti ao perder meu avô, eu resolvesse sobrecarregá-los com meus temores?
Não julgo saudável alimentar medos, principalmente aqueles que roubam de nós a alegria do dia a dia. Tenho medo de altura e isso me faz evitar certos lugares, mas não me impede de atravessar uma passarela entre dois prédios (mesmo que lentamente,rs*). A experiência de vida da Jacqueline não é regra, assim como a de ninguém será. O jeito é viver da melhor forma possível a cada dia, sabendo que estamos sujeitos a perder quem amamos, não apenas para a morte, mas para a indiferença, o descaso, a falta de tempo. Quantos mais irão chorar o arrependimento de ter perdido oportunidades e só se deram conta disso quando a morte pôs o ponto final para quem esperou uma ligação, visita, cuidado? Quantos filhos ainda irão lamentar o amargo gosto do arrependimento por não terem assistido seus pais quando tiveram a chance? Quantos pais irão perder a confiança e amizade de seus filhos por terem priorizado outras coisas? A morte em vida é tão dolorosa quanto a que exige uma pá de cal.
Algo que eu posso definir como certo e concreto em minha vida, é que não deixo para dizer amanhã o quanto eu amo e me importo com algumas pessoas. Não terei o arrependimento de não ter demonstrado aos meus amados quão preciosos eles são para mim, não por viver atemorizada pela morte, mas por entender que construo relacionamentos saudáveis desta maneira.
Se algum dia tive alguma pretensão ao escrever, posso dizer que foi a de transmitir algo de positivo para quem lê, fazer a diferença na vida de alguém. Se depois de ler este texto UMA pessoa dedicar um pouco mais de tempo a quem ama por entender que a morte é só uma forma definitiva de perda, e não a única, ficarei muito feliz em ter alcançado meu objetivo. Não ter a companhia de quem se ama porque a morte levou é definitivo, mas por indiferença não! Isso pode ser mudado, quem sabe hoje, quem sabe agora....

Comentários

  1. Ana, seu texto é maravilhoso e a história da Jaqueline, surpreendente! A alegria e vivacidade que ela demonstra pelos corredores da empresa e nas palestras só mostra o quanto podemos amar o próximo como a nós mesmos, mas sobretudo, nos amar pra que possamos dedicar nossa vida a alguém, a despeito das peça que essa vida nos prega...

    Débora Machado

    ResponderExcluir
  2. Nossa, deu até um nózinho na garganta... Perdi meu pai há 3 anos e depois apesar de ter me "apegado" mais a minha mãe, passei um tempo muito egoísta, pensando só em mim, na minha dor, na minha vida... E mesmo estando com ela todos os dias, não dava tanta importância. Há quase um ano eu vim para os EUA num programa de intercâmbio e só aqui eu senti e aprendi o quanto todas as pessoas que eu tinha ao meu lado eram importantes e faziam falta. Eu precisei sair do lado delas, sentir o peso da solidão pra entender que não há nada no mundo que pague um abraço. Tem gente que aprende lendo um texto ou ouvindo um conselho, mas a maioria só aprende pela dor, infelizmente! Lindo texto, parabéns!!!

    ResponderExcluir
  3. Perdi meu pai faz 6 anos e 3 tias paternas na sequência. Depois de tanta morte, vc aprende a dar mais valor pra vida, pras pessoas que vc ama e tem contato.
    Qto ao seu comentário, fique a vontade pra fazer o meme.
    BIg Beijos

    ResponderExcluir
  4. Oi, Ana! Você a cada dia me surpreende com seus belíssimos textos. Esse em especial, é tão profundo que me emocionei com a história da Jaqueline e nunca imaginei que ela tivesse passado por tudo isso. Sua história é de superação e sobretudo de muito amor e altruísmo. Ela, em nenhum momento que eu a observei, vi alguma tristeza em sua face.Sempre mostrou-se uma pessoa extremamente feliz e muito agradável.Minha oração é que elacontinue sendo um exemplo de vida para todos que a conhecerem. Concordo plenamente com você em muitos aspectos,principalmente no que se refere ao sentimento de perda de um ente ou amigo muito querido. Sofremos sim, mas não devemos sofrer por antecipação. Todos nós passamos por perdas muito difíceis, mas o melhor vem a superação com o tempo e o conforto divino. Deus concede o refrigério e o consolo com sua imensurável sabedoria! E Ele nos ama tanto, que cuida de nós até nos momentos mais difíceis! Ele cuidou de mim em muitos!
    Beijos!

    ResponderExcluir
  5. olá querida Ana,

    Só hoje tive tempo de responder ao seu email. estou em completa loucura no treinamento, aulas de 08 as 17:30, então da pra imaginar!!!
    Menina, fiquei muito muito feliz em ver o meu tel tocar e espero que ele toque outras vezes, rsss.
    Que surpresa linda suas palavras sobre minha historia no seu blog. Mostrei a alguns amigos e todos choraram com suas palavras. Alguns ainda não conheciam minha história, então foi a oportunidade.Que coisa linda Deus faz né? O encontro de duas pessoas que nem se conheciam e num compartilhar de historia de vida, Deus nos dá a oportunidade de nos conhecermos.
    Ore por mim e por esse periodo no treinamento. Ja estou em regime de internato ate dezembro, saindo nos finais de semana para pregar em algumas igrejas que nos convidam.
    Estou te enviando um anexo do boletim informativo.
    No amor de Cristo o Grande Missionário,
    Jacqueline Matos

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Salomão ou Tio Patinhas?

Numa conversa informal e muito agradável sexta-feira pela manhã pude aprender um pouco da história de pessoas queridas que venceram na vida. Pessoas que não nasceram em lar abastado, que não ganharam na loteria nem fizeram um casamento por interesse, mas que batalharam muito para conquistar estabilidade financeira. Comum a todos os exemplos de superação, estava o compromisso que assumiram com Cristo, além de, muito trabalho e renúncias. Em tempos quem os conceitos do Tio Patinhas ( dinheiro, dinheiro, dinheiro! ) são mais valorizados que a Palavra de Deus, fiquei feliz em ouvir que pessoas normais, pessoas como eu e você meu querido leitor, conseguiram conquistar posições inimagináveis sem fazer barganha com Deus, ou lhe apontar o dedo dizendo que “mereciam” ganhar isso ou aquilo. Um homem próspero, rico e sábio que não fez barganha com Deus foi Salomão. Na época em que viveu ficou conhecido em todo mundo graças à sabedoria que lhe foi dada por Deus. O que quase ninguém ob...

Sobre influência e relevância

Ao som de King of my heart , Bethel Music. Quando me propus a trabalhar novamente com comunicação sabia que estava retornando para uma área concorrida, mas onde me sinto completamente realizada. Não é apenas sobre criar conteúdo vendável para os meus clientes ou fazer a gerência de seus números nas redes sociais, trata-se de descobrir a relevância daquilo que está sendo ofertado, seja uma ideia, produto ou serviço.   Por vezes a questão da influência será superestimada para quem trabalha com mídias sociais. Aprendemos a interpretar métricas, analisar comportamentos e traçar perfis com base naquilo que é exposto, publicado. Para quem decide viver o Reino a questão precisa ser analisada de forma mais ampla. Não dá para ser apenas influente, é preciso ser relevante.     Nos últimos dias vimos uma verdadeira enxurrada de conteúdo sobre o  ClubHouse  (um aplicativo exclusivo para  iOs , onde as pessoas se comunicam exclusivamente através de áudios). O Douglas Va...

A medida do meu coração

Leia ao som de  R.E.M. | Everybody hurts Muitas histórias de amor já foram escritas, e a minha poderia ser só mais uma. Muitos finais já foram escritos, o do meu amor por Eva não foi inédito, mas com certeza, foi o mais real que pude escrever. O começo de nossa história não foi com nosso encontro, pelo contrário, foi com os desencontros que tivemos ao longo da vida. Quando Eva entrou em minha vida eu já tinha muito mais a contar do que apenas sonhos, tinha bagagem, passado. Estava saindo de um relacionamento turbulento, cheio de conflitos em que me acostumei com o lado possessivo e controlador de uma pessoa.   Ela não acreditava mais no amor e eu não me lembrava que ele existia.     Era impressionante ver como alguém como ela dizia não acreditar no amor, logo ela, que era todo amor, a mais doce, encantadora e apaixonante mulher que eu poderia encontrar. As dores que ela havia enfrentado, rejeição, abandono, mentiras, e traições, fizeram com que simplesmente dei...